Terminal

Eu tive um dos sonhos mais estranhos da minha vida do dia 1 para o dia 2 de fevereiro de 2013. Sonhei que estava esperando o ônibus no Terminal do Portão (para quem não sabe, um terminal de ônibus de Curitiba…), para ir para o meu trabalho, mesmo sabendo que não precisaria utilizar algum ônibus daquele terminal para chegar onde  eu preciso.

O ônibus não vinha nunca, e eu estava realmente irritado pela demora. De repente, eu vejo um sujeito, vestido de monge budista se aproximando para falar comigo. Ao chegar mais perto, percebo que ele está de kimono laranja e colar de contas brilhantes azuis. Na verdade, basta imaginar a clássica imagem de monge budista clássica, com a diferença que ele estava no Terminal do Portão.

Ele me pergunta: “Porque está tão irritado?”

Digo a ele “Oras bolas (exatamente desse jeito) porque meu ônibus está atrasado, e quero chegar logo em casa.”

 “Porque tens tanta pressa para voltar para casa?”.

“Porque quero chegar e ver minha família, minhas coisas, fazer o que preciso”.

O terminal repentinamente começou a encher, e encher de pessoas, os mais variados tipos, todas diferentes uma das outras, porém com o denominador comum de serem todos rostos comuns, e, portanto, plausíveis.

O Terminal, como sempre, estava cinzento e com aquelas características típicas de um bom terminal de Curitiba: a estética ultrapassada de cerca de 20 anos atrás, o asfalto gasto ao ponto de deformação pelo peso de diversos ônibus, articulados e biarticulados que realizam o exemplar transporte de Curitiba e da Região Metropolitana.

 Além da banquinha de doces e salgados, onipresente em qualquer terminal que se preze, com os mais diversos salgadinhos do popular sabor “corante”.

 “Você realmente precisa fazer o que diz que precisa fazer?”, perguntou-me o Monge.

“Olha, só não gosto de ficar esperando, só isso, por algo que normalmente demora 10 minutos e já passam dos 40 que eu espero o ônibus, não precisa filosofar”.

Nisso o terminal começava a encher mais, e por algum motivo desconhecido todos os ônibus que deveriam passar lá não estavam passando, naquele terminal especificamente. Logo reclamei:

“Mas que inferno, porque logo comigo, hoje exatamente agora?”.

O monge continuou: “Você estaria fazendo algo melhor que esperar agora?”

“Lógico”

“Algo que não possa ser feito novamente, algo que inadiável, que é uma experiência única na vida, como a primeira vez que você faz algo?”

“Não… Provavelmente, mas mesmo assim porque comigo? Agora? E essa merda de ônibus que não vem?”

“A pergunta certa é, porque não com você? Você é tão especial a ponto de achar que as coisas acontecem apenas com você? Que não acontecem coisas ruins com todos? Que todas essas pessoas estão felizes com o atrasos dos ônibus? Que essas pessoas não têm nada melhor à fazer?”

“Tá, tá, ok, faz sentido” (cortando a conversa)

“O tempo que você passou esperando já passou, reclamar não vai trazê-lo de volta. Se você tiver que esperar mais 40 minutos para fazer o que você quer, terá que esperar. Assim é a vida, nunca temos o que queremos. Você já deve saber que o Iluminado já disse, nada é permanente. Então, mesmo a sua espera por um simples ônibus não é eterna, por mais que pareça. Em algum momento irá se resolver. Fora o fato que a escolha é sua. Você podia muito bem ir a pé para sua casa em 20 minutos, você mora aqui perto.”

Refleti um pouco. Realmente, poderia ir a pé para casa, e talvez não precisasse de um sermão daqueles, de qualquer forma,  pela minha teimosia, eu perguntei.

“E aquilo que não dá para mudar?”

“Aceite. A aceitação é mais difícil ainda que a mudança. E digo por aceitação, aceitação plena. Não conformar-se por falta de luta ou desistência. Mas saber que o melhor foi feito e que tem certas coisas que fogem ao nosso controle, pelos mais variados motivos, e só nos resta seguir em frente”

Pelo absurdo da situação, percebi que estava em um sonho, (i)logicamente. Falei:

“Você sabe que isso é filosofia barata né. Daquelas de livro de autoajuda. E que isso que você falou é se não o óbvio ululante; fora as outras questões, do tipo, “aceitar”, “mudar” e etc. E isto só pode ser um sonho. Afinal, quando aparecia um monge me dando conselhos em pleno terminal do Portão? Aliás, isso é lugar de dar conselhos? Não deveríamos estar em algum Templo Shaolin, a Montanha Iluminada ou coisa que valha?”.

“Sim, é filosofia barata. Filosofia de R$ 1,99 mais especificamente (ao dizer isso, me entregou em mãos um pequeno livro intitulado “Fundamentos do Budismo” e com o preço… R$ 1,99). Isso a torna menos sensata ou verdadeira? A maioria das coisas é simples, pelo menos as mais importantes, e como você disse: óbvias; mas precisa o seu inconsciente na forma de um boddhisattva te dizer isso? Além do mais, você precisa de um lugar especial para refletir sobre sua vida? Porque não poderias alcançar a Iluminação em um terminal de ônibus em Curitiba? Você precisaria ir para a Índia e escrever um blog sobre isso? A Iluminação e as epifanias nos alcançam-nos mais variados momentos, gafanhoto (juro que ele falou assim), mas tens que buscá-las, e saber que é possível sair da escuridão que aflige sua alma.

E mesmo sendo apenas um sonho esta nossa conversa, um eco do seu inconsciente, ela é  menos real?”.

Eu ia responder, mas fiquei sem palavras.

E acordei, tomei meu café, segui minha vida e ainda penso no que eu queria dizer para mim mesmo. 

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