MUITO ME AJUDA QUEM NÃO ME ATRAPALHA

Quando eu era garoto, e jogava em uma escolinha de futebol, eu era goleiro. 

Na época, eu era bem mais disposto e com tempo sobrando que hoje, e mais fã de jogar futebol e menos de assistir. Ou seja, o contrário de hoje. 

Enfim, eu era o goleiro do time da escolinha de futebol que eu jogava. Obviamente, não era por escolha própria, mas tendo em vista que eu era sempre o último a ser escolhido, e tinha uma razoável habilidade no gol, resolvi até comprar luvas e camisa acolchoada de goleiro (sérião). 

Uma certa vez a gente participou de algum campeonatinho, e rolou um jogo na quadra de sintético da escolinha. Eu lembro que eu estava jogando nervoso, pois goleiro não é posição, é profissão de risco, fora os resultados negativos que tínhamos tido nos últimos jogos contribuíam para a situação.

Rolando o jogo, toda a piazada posicionada, apita o juiz. A quadra de sintético da escolinha nada tinha de diferente de outras quadras, a não ser  a ausência de um espaço para a torcida se posicionar para assistir o jogo. Até hoje é assim. Quem desejar assistir o jogo tem que se posicionar do lado de fora da quadra, no gramado que separa a grade da quadra da calçada da rua propriamente dita. Local onde ficavam todos os parentes dos jogadores mirins. 

Eu estava posicionado no gol, concentrado. A partida estava tensa, estávamos perdendo. Eu já havia falhado antes.

Eis que um senhor se posiciona atrás do meu gol, justamente no espaço entre a calçada da rua e a quadra:

“-psssss, goleeeeeiro”

“-pssssssssssss, goleiro, você vai frangar, vai levar gol”

“goleeeeeeeeeiro”

Eu não dei muita bola ao homem, mas depois de um tempo eu falei:

“Não vou não, vou defender todos os lances e a gente vai ser campeão”

“Não vai não goleiro. Vai levar um monte de gol, vocês vão perder, porque eu vou ficar te atrapalhando aqui. Vou te atrapalhar quando você for na bola. Porque meu filho está no outro time.”

Resolvi não dar ouvidos ao senhor de idade (devia estar beirando os seus 60), mas mesmo assim ele insistiu em me irritar.

Dito e feito, levei gol até não poder mais. Perdemos, fomos eliminados.

Voltei para casa triste, a pé, com minha mãe ao lado. Eu lembro que até o nosso treinador ficou genuinamente irritado com a minha performance, assim como todos os outros jogadores do nosso time.

O ponto é: o que levaria uma pessoa a fazer algo assim? Digo, se dar ao trabalho de importunar uma criança pelo simples fato dela estar jogando no time rival do seu filho? O desejo pela vitória (ou por humilhar o outro) é tão grande assim? 

Imagino depois o sujeito, contando a história para a família (se é que contou) e as reações variariam entre risos e “Ai Alberto, você não tem jeito”. Tudo isso no almoço após a vitória do seu filho. 

Não acredito que isso se configure como trauma, porém, definitivamente entrou na minha cabeça isso, tanto que eu me lembrei dessa história esses dias.  


 

Uma certa professora da faculdade me devolveu um trabalho escrito “As palavras que eu tenho para descrever esse trabalho são impublicáveis”. Bem, realmente. Me ajudou muito na minha formação profissional esse comentário. A não ser que a intenção dela fosse me motivar a provar ela o contrário (o que não aconteceu, tenho dificuldade com rendering até hoje), não vejo que tipo de benefício poderia ser extraído de um comentário assim. Talvez aí que entre a diferença entre bons e maus professores. Ou entre as pessoas que ajudam, e as que atrapalham, porque daí ficou na minha cabeça que eu definitivamente não sabia ilustrar, mesmo que (talvez) não seja verdade. 

Minha mãe já me disse: quer me ajudar, não me atrapalhe. O que na prática significa: de ajuda para atrapalhar, tem de monte. 

Enfim, o treinador foi demitido depois de um tempo, a escolinha faliu e eu refiz a matéria com outro professor. A vida segue. 

ps. eu não sou um cara maligno, e não desejaria algo tipo um câncer para o senhor da história. mas se eu descobrisse que ele tem uma espinha no cu que nunca sarou, não ficaria chateado. 

ps2. quando eu for dar uma palestra sobre motivação, eu vou usar esse exemplo. quando eu for bom em alguma o suficiente para dar uma palestra.

ps3. meu futebol felizmente melhorou bastante. 

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